O filósofo escocês David Hume (1711-1776) é famoso por sua postura empirista, que valoriza a experimentação acima de tudo. Em seus "Ensaios Morais, políticos e literários" ele cita um trecho lido em Don Quijote de la Mancha de Cervantes que nos pareceu bastante interessante. Segue o trecho.“Uma causa evidente em razão da qual muitos não experimentam o devido sentimento de beleza é a falta daquela
delicadeza da imaginação que é necessária para se ser sensível àquelas emoções mais sutis. Toda a gente pretende ter esta delicadeza, todos falam dela, e procuram tomá-la como padrão de toda a espécie de gosto e sentimento. Mas como neste ensaio nossa intenção é misturar algumas luzes de entendimento com as impressões do sentimento, será adequado oferecer uma definição da delicadeza mais rigorosa do que as até agora tentadas, E, para não extrair nossa filosofia de uma fonte excessivamente profunda, recorreremos a um conhecido episódio do Dom
Quixote.
"É com muita razão, diz Sancho ao escudeiro de nariz comprido, que pretendo ser bom apreciador de vinho: é uma qualidade hereditária em nossa família. Dois de meus parentes foram uma vez chamados a dar sua opinião sobre um barril de vinho que era de esperar fosse excelente, pois era velho e de boa colheita. Um deles prova o vinho, examina-o, e depois de madura reflexão declara que ele seria bom, não fora um ligeiro gosto a couro que nele encontrava. O outro, depois de empregar as mesmas precauções, dá também um veredicto favorável ao vinho, com a única reserva de um sabor a ferro que facilmente podia nele distinguir. Não podes imaginar como ambos foram ridicularizados por seu juízo. Mas quem riu por último? Ao esvaziar o barril, achou-se no fundo uma velha chave com uma correia de ouro amarada.
"A grande semelhança entre o gosto mental e o corpóreo facilmente nos permitirá aplicar esta estória. Embora seja inegável que a beleza e a deformidade, mais do que a doçura e o amargor, não são qualidades dos objetos, e pertencem inteiramente ao sentimento, interno ou externo, é preciso reconhecer que há nos objetos certas qualidades que estão por natureza destinadas a produzir esses peculiares sentimentos.”
HUME, David. Ensaios Morais, políticos e literários. P. 318 e 319. Os Pensadores. Abril Cultural. 1973.
contribuição do confrade Paulo